8 de mar. de 2017

PRECISAMOS FALAR SOBRE O NARCISISMO - PARTE VI: INTIMIDAÇÃO


A intimidação é um comportamento estratégico usado para forçar outro a entregar alguma coisa. O assalto é o exemplo clássico: antecipando que você não entregará seus bens por livre e espontânea vontade, o bandido se aproxima apontando a arma para sua cabeça. Assustado e temendo pela própria vida, você entrega o que ele está exigindo.

Portanto, sempre que sentir-se intimidado por alguém, cabe a pergunta: o que essa pessoa espera obter de mim desta maneira? 

Intimidadores seguem exatamente a mesma lógica do assaltante. Só não andam apontando revólveres por aí. Ao invés disso eles usam da linguagem oral com ofensas ou insinuações, e/ou corporal, mostrando dominância ou superioridade com uma postura corporal invasiva, desrespeitando seu espaço pessoal. Mas apesar de parecer representar um perigo real e imediato, essa atitude é um blefe: se a pessoa que intimida tivesse o poder de obter pelos próprios meios o que espera de você, ela o deixaria em paz.

Fica a dica, então: sempre que alguém apela para a intimidação, é porque está numa posição de inferioridade, logo, o problema é dele e a vantagem, sua.

Seria temerário, no entanto, confrontar cegamente indivíduos que usam da intimidação para se impor, pois quanto mais frágeis se sentem por trás do mise en scène, mais violenta será sua reação. O importante aqui é saber que é isso que está acontecendo, entender que você é que tem vantagem na situação e tentar ganhar tempo até encontrar uma saída que não comprometa sua integridade física, mental, emocional e financeira. A reação ideal quando se sentir intimidado é  dizer calma e firmemente "desculpe, não posso tratar disso agora" e se afastar.

O que o narcisista não consegue pela boa vontade das suas vítimas, ele busca obter pela intimidação seja por chantagem ou ameaças que podem ser sutis e subjetivas (acabar com a amizade, por exemplo), como passíveis de enquadramento penal. Tudo depende tanto do modus operandi do narcisista em questão como do quanto ele está necessitado do que quer que se encontre em seu poder.

Em outras palavras: enquanto as pessoas seguirem deslumbradas com seu elan, fazendo concessões na ilusão de estarem sendo beneficiadas pelo que quer que a atitude do narcisista pretenda oferecer, ele seguirá se sentindo à vontade para tomar mais do que se dispõe a contribuir seja em termos materiais ou emocionais. Mas o menor sinal de desconforto ou tentativa de impor limites às liberdades que se permite são percebidas pelo narcisista como uma humilhante ofensa pessoal.

Digamos, por exemplo, que o narcisista é seu sócio num empreendimento e você acaba de descobrir que ele vem desviando quantias significativas do caixa da empresa para gastos pessoais. Ao tentar confrontá-lo, por mais tato que use, suas palavras serão tomadas como uma ofensa pessoal e ele reagirá colérica e desproporcionalmente elevando o tom do que seria uma discussão normal entre sócios a uma enxurrada de ofensas e desaforos pessoais que fazem parecer pequenas as transgressões dele diante da sua incompetência em conduzir o negócio e cumprir com as suas obrigações, enfatizando o quanto está cansado de carregá-lo nas costas e inventar desculpas para os clientes que, por sinal, o seguirão quando deixar a sociedade. Intimidado, você cede só para constatar algum tempo depois que ao invés de diminuir, os saques aumentaram. A empresa está no vermelho, os fornecedores começam a suspender as entregas ou só vender à vista, os impostos e a folha de pagamento estão em atraso. E enquanto você corta despesas em casa, mal conseguindo rolar a dívida do cartão de crédito e perde noites de sono tentando resolver os problemas, seu sócio narcisista troca a BMW com seis meses de uso por uma Land Rover zero quilômetro. E quando as intimações e cobranças judiciais se acumulam na sua mesa, ele resolve levar a nova namorada para passear na Bahia. Afinal, nada disso é problema dele, porque você é o sócio-titular e ele não tem patrimônio algum em seu nome para ser apreendido e levado a leilão. Por esdrúxula que pareça, essa situação acontece com muito mais frequência do que se imagina. Que o digam os advogados e contadores.

Com  amigos, por exemplo, o narcisista pode abusar da hospitalidade, indo e vindo quando quer e bem entende e ignorando as regras do condomínio que, afinal, não foram feitas para ele que nem inquilino é. Ou ele pode tomar objetos emprestados sem pedir, abrir a geladeira e beber a única cerveja sem se dar ao trabalho de perguntar. E se o amigo reclamar, a própria existência da "amizade" será posta em xeque, e suas intenções virulentamente atacadas como egoístas, mesquinhas e por aí a fora. Ao ceder, o amigo arrisca chegar em casa do trabalho um dia para encontrar o narcisista com a namorada ou uma turma de estranhos degustando o vinho que você vinha reservando na adega e devorando os petiscos que comprou para receber os amigos no dia seguinte.

Se for seu colega de trabalho, o narcisista pedirá que complete ou corrija suas tarefas às escondidas do chefe. "Fico lhe devendo essa" é a promessa que nunca é cumprida, pois ele sempre tem uma "emergência" que o impede de retornar o favor. E se por azar flagrá-lo cometendo algum ato ilícito, se deixar intimidar a ponto de fazer vistas grossas para meses, para subitamente ser demitido sumariamente como se fosse o autor dos ilícitos que ele cometeu - e não se surpreenda se a "denúncia" tiver partido do próprio narcisista.

O que os exemplos acima pretendem demonstrar é que ceder à intimidação só piora situações que já eram difíceis de manter. Ceder à intimidação por mais que evite alguma situação desagradável no presente, não só não impede que o que quer que se tente evitar acabe acontecendo de qualquer jeito, como abre um caminho sem volta para mais abusos e exploração. É como a chantagem: depois de ter pago o preço, que garantia você tem que de que vá parar? A pessoa bem pode decidir - e normalmente é o que acontece, que tendo obtido a quantia inicial com relativa facilidade, vale tentar arrancar outro tanto mais.

Por difícil que pareça quando acontece, o ideal é pagar o blefe do narcisista logo de saída e arcar com o prejuízo livrando-se dessa pessoa de uma vez por todas, porque tendo conseguindo intimidá-lo uma primeira vez, o narcisista seguirá intimidando com mais urgência e agressividade para obter o que quer, como e sempre que quiser até que você não tenha mais nada a oferecer, caso em que, independente do quanto tenha cedido e sido condescendente, será humilhado publicamente e descartado como uma fralda usada.

Caso a situação envolva risco pessoal ou patrimonial, não tente resolver tudo sozinho. Procure manter a calma por acuado que se sinta, e tente ganhar tempo do jeito que der, nem que para isso precise fingir um desmaio ou sair correndo do local: não tenha medo de parecer fraco ou covarde, até porque é assim que o narcisista o vê de qualquer jeito, caso contrário não tentaria intimidá-lo. O importante é interromper no ato a intimidação sem se comprometer com resposta alguma, e tratar de buscar apoio e conselho junto a familiares, amigos e profissionais em quem confia. Dê preferência a pessoas que não tenham nenhum envolvimento com o narcisista e seja totalmente honesto, por embaraçosa que seja a situação: você não é a primeira nem será a última pessoa a ter se submetido a situações vexatórias sob a pressão de um narcisista. Na verdade, eles costumam agir exatamente assim e forçar exatamente os limites que você julga mais elevados, porque sabem que as pessoas preferem comer sozinhas o pão que o diabo amassou a permitir que alguém saiba sobre a lama por onde se deixaram arrastar. Se você leu o post anterior sobre os flying monkeys, a esta altura já entendeu que é exatamente isso que vem acontecendo desde o começo, pois desde o momento que você cedeu pela primeira vez, o narcisista vem se encarregando de espalhar a "novidade" aos quatro ventos.

Não se desespere se se vir retratado ao ler essas linhas aparentemente duras: tudo, mas tudo mesmo nesta vida tem solução. Cada um de nós veio a este mundo suficientemente equipado para superar qualquer desafio que a vida apresente, e capaz se solucionar qualquer problema. Confie na qualidade do que carrega no coração e entre as orelhas: ninguém neste mundo está tão ocupado em ajudá-lo como você mesmo.

Por piores que sejam as fofocas, armações, calúnias e difamações de que você pode se ver alvo por não ceder à intimidação do narcisista, mantenha-se firme e confiante, na certeza de duas coisas: primeiro, que seriam muito mais graves caso tivesse cedido e, segundo, que todas as pessoas que entram em contato com o narcisista são alvos de fofocas, armações, calúnias e difamações do mesmo jeito que você, e se parecem poupadas ou premiadas pelas atenções dele, é só porque estão cedendo, talvez mais vergonhosamente que você.

Erga a cabeça e siga em frente com sua vida, lembrando as sábias palavras de Abraham Lincoln:
Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo, mas nunca todas as pessoas o tempo todo.
Não perca seu precioso tempo de vida tentando explicar ou defender-se, muito menos tentando expor ou vingar-se do narcisista: isso só o manterá dentro do foco de atenção dele estendendo desnecessariamente uma situação que de outra forma se encerraria caso ele estivesse concentrado em outra vítima. As pessoas não são estúpidas: cedo ou tarde acabam vendo o narcisista pelo que realmente é e se afastando.

Se parar e avaliar com calma e lucidez, resistir à intimidação, afastando-se do narcisista corresponde a separar o joio do trigo. É um momento de verdade, um divisor de águas que vai ensinar quem são seus verdadeiros amigos. Depois da tempestade sempre vem a bonança, e seu jardim, amigo, voltará a florir ainda mais do que antes.

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