25 de set. de 2012

PEQUENOS MILAGRES - PARÁBOLA ZEN


Bankei discursava calmamente a seus discípulos quando sua fala foi interrompida por um sacerdote Shinsu que acreditava em milagres e em buscar a salvação pela repetição de palavras sagradas.
 
Não podendo continuar com sua palestra, Bankei gentilmente cedeu a palavra ao sacerdote.
 
- O fundador de minha religião postou-se a uma margem do rio com uma pena nas mãos.  Seu discípulo postou-se à margem oposta segurando uma folha de papel; e o fundador escreveu o sagrado nome de Amida no papel pelo ar, à distância, da outra margem do rio... - bradou o sacerdote - Pode você fazer algo assim tão milagroso?
 
- Não. - respondei Bankei serenamente - Só posso fazer pequenos milagres: posso comer quando eu tenho fome, beber quando tenho sede e perdoar quando sou insultado.

12 de set. de 2012

QUEM MANDA EM VOCÊ?


Vez por outra, surfando nas ondas da web, me deparo com histórias muito interessantes. Eis uma delas:
 
O colunista Sydney Harris andava pela rua com um amigo quando esse parou numa banca para comprar o jornal. Sydney observou que apesar do amigo dirigir-se ao jornaleiro com amabilidade, tivera o jornal rudemente atirado em sua direção. Sem perder a gentileza, seu amigo recolhera o jornal e despedira-se, desejando um bom dia ao antipático jornaleiro.
 
- Ele sempre trata você com tanta grosseria? - perguntou Sydney.
- Infelizmente é sempre assim. - admitiu o amigo com tranquilidade.
- E você é sempre atencioso e amável com ele?
- Sim, claro!
- Desculpe, mas por que você é tão educado com uma pessoa tão rude? - Sydney insistiu.
- Porque não quero que ele ou qualquer outra pessoa decida por mim como devo agir.
 
E encerro citando Esopo: "um gesto de gentileza, por pequeno que seja, jamais é desperdiçado". (da fábula O Leão e o Ratinho)

8 de set. de 2012

STAR TRECK - 46 ANOS MUITO ALÉM DO ENTRETENIMENTO



Em 1964, inspirado pelas Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift; Gene Roddenberry concebeu uma série de ficção científica que veio a se tornar um dos maiores sucessos da história da televisão mundial.
 
O segredo do sucesso de Star Trek não vem tanto do carisma de seus personagens, do suspense, da aventura, ou do burlesco de alguns episódios psicodélicos dos anos 60; como do fato da série ter sido concebida e desenvolvida não só como uma aventura de suspense ambientada no espaço, mas também como uma série de contos de moralidade que,  a cada episódio, confrontaria seus personagens com dilemas como guerra ou paz, lealdade, autoritarismo, imperialismo, guerra de classes, racismo, sexismo, religião, direitos humanos e o papel da tecnologia.
 
Para mim, o mais importante feito da série é ter em plena guerra fria, muito antes da dita "emancipação feminina" e nos estertores do apartheid velado em que vivia a sociedade norteamericana; introduzido os conceitos de DIVERSIDADE e TOLERÂNCIA, ao apresentar entre seus personagens principais um russo, uma mulher negra, um japonês e um alienígena de inteligência superior.

3 de set. de 2012

OS SUTRAS DE TETSUGEN


Em meados do século VXII, o zen começava a se espalhar pelo Japão.
 
Um de seus primeiros devotos, o mestre Tetsugen Dõkõ da escola Õbaku, decidiu que era necessário prover os mosteiros com uma edição dos sutras em japonês.
 
Para isso estimou serem precisos 7 mil exemplares.
 
Para dar uma idéia da enormidade da tarefa, a técnica de impressão disponível na época era a xilogravura (para os japoneses, Ukiyo-e), ou a impressão manual a partir de blocos de madeira entalhados também à mão.
 
Tetsugen pôs-se a peregrinar pelo país coletando doações.
 
Dez anos se passaram até que chegasse à quantia necessária para começar os trabalhos.
 
Sucedeu-se, no entanto, uma enchente histórica do rio Uji e, em seu rastro, a fome.
 
Tetsugen gastou todos fundos acumulados para a impressão dos sutras para ajudar as vítimas, recomeçando imediatamente após o desastre a coleta de donativos.
 
Vários anos depois, uma epidemia assolou o país. Outra vez Tetsugen doou o que havia coletado para ajudar as pessoas.
 
E pela terceira vez retomou o trabalho de coletar fundos para a impressão dos sutras.  Passados vinte anos finalmente seu desejo foi realizado.
 
Em 1681, os sutras de Tetsugen - uma obra de cerca de 60 mil peças -, tiveram sua primeira impressão.
 
Ela pode ser vista até hoje no mosteiro de Õbaku, em Kyoto.
 
Os japoneses costumam contar a seus filhos que Tetsugen fez três impressões dos sutras, e que as duas versões invisíveis superam em beleza a versão impressa.
 
BOM DIA, BOA SEGUNDA E UMA SEMANA ILUMINADA A TODOS!!!
 
(Foto: ateliê de Ukiyo-e em Tsukuba, Japão © 2005 David Monniaux)

2 de set. de 2012

MATAJURO - UMA LIÇÃO DE PERSEVERANÇA


Como hoje é domingo, segue uma historinha mais extensa. Se verdadeira ou não, há controvérsia. O protagonista de fato existiu e seu nome é conhecido ainda nos nossos dias.
 
É uma história de fibra e perseverança  - virtudes infelizmente encontradas da inversa proporção de sua necessidade neste mundo imediatista em que vivemos.
 
Segue a história:
 
Desde o nascimento, Matajuro carregava a responsabilidade de um dia suceder ao pai, chefe do clã dos Yagyu, uma renomada linhagem de mestres da katana. Desde cedo, no entanto, sua preguiça obscureceu o talento ameaçando impedir que viesse a atingir seu potencial. Na tentativa de sacudí-lo dessa letargia, o pai o baniu do dojo.
 
A punição o atingiu em cheio, e Matajuro deixou a casa paterna determinado a dominar a arte da defesa mesmo que só para mostrar ao pai o quanto estava errado. E saiu pelo Japão a procurar um mestre à sua altura.
 
Ao percorrer a província de Kii, uma região montanhosa conhecida por suas 48 cachoeiras, ouviu falar de um renomado mestre de habilidades incomparáveis que viveria próximo ao santuário de Kumano Nachi, um dos mais antigos do Japão.
 
Chegando ao santuário, os monges indicaram que seguisse uma trilha pela densa floresta, ao final da qual, segundo os monges vivia um heremita senil chamado Banzo que se dizia ter sido em seus dias um grande mestre na arte da katana.
 
Seguindo a indicação dos monges, Matajuro embrenhou-se pela mata avançando com dificuldade até chegar a uma pequena choupana. Mesmo não vendo ninguém, anunciou em voz alta:
 
- Eu vim aprender a arte da katana. Quanto tempo demorará?
 
- Dez anos. - anunciou uma voz rouca por trás da porta fechada.
 
- É muito tempo. - Matajuro sacudiu a cabeça - E se eu trabalhar em dobro e praticar duas vezes mais?
 
- Vinte anos - foi a resposta.
 
Ao ver para onde a conversa levava, Matajuro sabiamente deixou de argumentar pedindo simplesmente ser tomado como aprendiz, tendo imediato consentimento de Banzo.
 
Mas foi um aprendizado peculiar: Matajuro foi proibido de sequer tocar na katana ou mesmo falar em defesa. Ao invés disso, foi posto a trabalhar cortando madeira, cozinhando, lavando roupas e limpando a cabana numa jornada que se estendia do amanhecer até altas horas da noite. Banzo raramente lhe dirigia a palavra e em momento algum referiu-se à kenjutsu.
 
Um ano havia se passado, e Matajuro crescia em frustração suspeitando que havia sido enganado para tornar-se criado de um velho demente. Certa manhã, ele cortava a lenha com raiva chegou a decidir ir buscar o aprendizado com outro mestre. Com certeza haveria dezenas de mestres que se sentiriam muito honrados em tomar um membro do clã dos Yagyu como aprendiz, concluiu com amargura ao ver a pilha de madeira ainda por ser cortada, e enterrou a lâmina do machado com fúria, como se naquele gesto encontrasse cura para seus problemas. Não reparou que não estava sozinho até sentir-se jogado de encontro à pilha de madeira por um golpe violento. Confuso, olhou ao redor, para ver o velho mestre brandindo uma vara de bambu verde sobre sua cabeça. Sem uma palavra, Banzo deu-lhe as costas e desapareceu na mata silenciosamente como surgira, deixando que Matajuro pensasse que estava sendo punido por faltar com suas tarefas.
 
Seu sangue samurai envergonhou-se de resvalar em suas responsabilidades, mesmo planejando deixar o velho louco. Levantando, Matajuro acabou de rachar a lenha, decidindo que sua próxima tarefa, a última daquele dia, haveria de ser executada com tanto esmero que o mestre não acharia a menor falta em seu trabalho. Assim, algumas horas depois, quando esfregava as roupas próximo à cachoeira, Banzo atacou novamente, jogando Matajuro dentro d'água:
 
- Você deseja aprender a kenjutsu, mas não consegue desviar do golpe de uma vara de bambu! - zombou o velho.
 
O orgulho aristocrático de Yagyu Matajuro foi mais uma vez inflamado. E do jeito como deixara a casa paterna prometendo só voltar quando pudesse provar ao pai o grande espadachim que se tornada, Matajuro decidiu ficar no santuário de Nachi para provar ao velho que estava errado.
 
Assim decidido, começou a se concentrar: independente do que estivesse fazendo no momento, preparava-se para um ataque surpresa. Banzo atacou cinco vezes ao dia, então dez, então vinte; sempre quando seu aprendiz estava ocupado com outra coisa. E era tão silencioso que o único alerta seria o farfalhar do manto ou o sibilar da vara de bambu cortando o ar. Semeando o jardim, lavando nas cataratas, consertando o telhado da cabana; Matajuro estaria sempre ocupado com uma tarefa ou outra, preparado para saltar ao menor ruído assim evitando mais e mais golpes dirigidos a ele.
 
Quando Banzo constatou que já não conseguia sequer tocar o pupilo com a vara por vários meses, mudou de estratégia: em adição aos assaltos diurnos, começou a atacar Matajuro enquanto este dormia.
 
O jovem precisou redobrar seus esforços, aprendendo a ter um sono leve, com o subconsciente sempre em alerta. Amargamente constatou que quanto mais bem sucedido era em evitar a vara de bambu, mais frequentemente esta o buscava: setenta, oitenta, cem vezes ao dia e à noite, o mestre irromperia como um fantasma para atacar. Mas era cada vez mais difícil para Banzo flagrá-lo num momento de desatenção, pois os instintos do jovem já se achavam aguçados num nivel quase sobrenatural.
 
Certa noite, quatro anos depois de ter chegado ao santuário, Matajuro estava preparando um chirashizushi, um cozido de arroz e vegetais. Pelava cuidadosamente um ramo de bardanas quando Banzo surgiu às suas costas. Sem deixar cair os vegetais ou erguer-se da posição de cócoras em que se achava junto ao fogo, Matajuro arrebatou a tampa de um vaso defendendo-se com a mão livre para continuar cozinhando tranquilamente.
 
Naquela noite, Banzo o presenteou com um certificado de proficiência na arte da defesa e uma antiga katana. Matajuro já não precisava de nenhum dos dois. Sem ter tido uma lição formal sequer, e jamais tendo empunhado uma arma, havia atingido o mais alto nível do bugei: era um mestre do zanshin.

1 de set. de 2012

DEBATE EM SILÊNCIO (PARÁBOLA ZEN)


Era uma vez dois irmãos monges que viviam em um templo no norte do Japão. O mais velho era um estudioso ilustrado, mas seu irmão mais novo era um sujeito estúpido e ignorante e, como senão bastasse, caolho.
 
Certo dia, um monge errante bateu à porta do mosteiro pedindo morada. Como reza a tradição, desafiou algum dos monges que lá moravam para um debate sobre os sublimes ensinamentos - é que, pela tradição, o monge errante ganha o lugar de outro monge em um templo se o vencer num debate sobre budismo.
 
O irmão mais velho, cansado de tanto estudar, pediu ao mais novo que assumisse seu lugar com o seguinte conselho:
 
- Solicite o debate em silêncio.
 
Assim fazendo, o irmão mais novo conduziu o monge errante para a privacidade do altar onde ficaram os dois calados a se observar, enquanto o irmão mais velho retomava seus afazeres vespertinos.
 
Pouco tempo depois o monge errante o procurava:
 
- Seu irmão é um indivíduo maravilhoso. Ele me venceu!
 
- Como?
 
- Bem, - explica o monge errante - Primeiro eu ergui um dedo, representando Buda, o Iluminado. Então ele ergueu dois dedos, significando Buda e seus ensinamentos. Então eu ergui três dedos, representando Buda, seus ensinamentos e seus seguidores vivendo harmoniosamente. Foi quando ele armou o punho e me desferiu um soco na cara, indicando que os três decorrem do entendimento. Assim ele venceu, portanto não tenho direito de permanecer aqui.
 
E com essas palavras o monge errante partiu.
 
Instantes depois, o irmão mais jovem irrompe esbaforido:
 
- Onde está aquele miserável? - pergunta visivelmente transtornado.
 
- Por que o procura, se já venceu o debate?
 
- Venci nada! Vou dar uma surra nele!
 
- Não estou entendendo. O que aconteceu?
 
- Bem, no instante que sentamos, ele mostrou um dedo, me insultando ao insinuar que eu tenho um olho só. Como se tratava de um estranho fui educado, e mostrei dois dedos para cumprimentá-lo por ainda ter os dois olhos. Aí, o mal-educado mostrou três dedos, sugerindo que entre nós dois tínhamos três olhos. Fiquei possesso e desferi um soco na cara daquele idiota, e ele fugiu!