29 de mai. de 2009

A BOLA DA VEZ



Depois que o mundo "livre" enterrou a ameaça comunista - lembra que podia ter um até dentro da sua geladeira? -, é a vez dos fumantes - YUK! - essa gente porca e nojenta que além de imundiciar os próprios pulmões ainda tem a audácia de imundiciar os pulmões alheios.

A cruzada já fora antecipada por Hollywood no início da década de noventa naquela antológica cena de um filme de ficção sobre um tira que acorda num futuro distante. A certa altura, num espaçoporto o cara acende um cigarro. Imediatamente toca o alarme e é o maior tandéu. Deus nos acuda: fumar é crime no futuro.

Bem, não estamos muito longe disso.

Não sou nenhuma expert - alguém pode dizer que não sou sequer esperta por ser fumante confessa -, mas já parou pra pensar que todos os produtos que as pessoas usam diariamente e que os primos-ricos do primeiro mundo precisam comprar de nós, os manés, já passaram pela mesma condenação?

Não?

Então vejamos: na década de 70, condenaram o café. Em seguida, veio o ovo e na carona, o açúcar e a carne vermelha, o azeite (à excessão do óleo de soja, menina dos olhos da década de 80 com todos os seus derivados inclusive a horrorosa margarina que, de quebra, veio pra desbancar a manteiga); ao mesmo tempo que taxavam como "saudáveis" os grãos e cereais que costumam produzir em abundância (particularmente os EUA com seus imensos milharais, campos de cevada e aveia. Coincidentemente, foi naquele período que a Kellogg's teve um boom de expansão e se instalou por aqui).

Lembro que a coisa chegou ao ponto de se dizer que sucrilhos era mais saudável que ovo cozido pro café da manhã (ainda ontem li que de acordo com pesquisas recentes, o melhor alimento pro cérebro é justamente o ovo, os cientistas inclusive recomendam que se coma uma omelete por dia); e nós, manés, como sempre imitando: banimos o ovo não só o ovo cozido ou frito, mas também a maionese, que combina o ovo com o azeite de oliva - outro produto que os primos-ricos precisam comprar porque nao têm.

Todas essas campanhas - que em tempo se provaram cientificamente infundadas -, tiveram impacto direto em nossa economia. Nós, os manés, que achamos que eles é que estão sempre certos - afinal, rico não pode estar errado, pode? Perdemos bilhões ao longo das últimas décadas, bloqueando qualquer iniciativa da agricultura de pequeno porte que não fosse a plantação de batatas (e olha que as batatas também vivem entrando e saindo da lista ao sabor da flutuação das bolsas) e hortifrutigrangeiros, que remuneram mal e porcamente, à excessão desses transgênicos produzidos em massa e que não têm gosto de nada, muito menos de fruta.

De fato, à excessão das megaplantações do centro-oeste (verdadeiros mares verdes de soja, mas soja é bom, porque é barata e o gado que os primos-ricos criam pra conseguir isenção de impostos come o farelo); nossa agroindústria comeu o pão que o diabo amassou até mais ou menos a entrada deste 3º milênio, quando finalmente os governos começaram a acenar com algum tipo de fomento e investiram mais na reforma agrária.

E ainda assim, em grande parte os incentivos se dirigiram para as indústrias mais poderosas e organizadas da soja, arroz, café e cana, coincidentemente concentradas no centro e sudeste do país.

A indústria do tabaco se concentra aqui no Sul (RS, SC e PR respondem por 95% da produção nacional) e emprega 200 mil produtores de pequeno e médio porte. Essa turminha aí, banida do Pronaf, faz do Brasil o 1º produtor e o 2º maior exportador de tabaco do mundo. E estou falando em tabaco de qualidade, não os mata-ratos que se vê por aí.

Mas, ah... fumar dá câncer de pulmão!

Ah, é? E a descarga dos carros, ônibus e caminhões não?

Saiba que morar ou trabalhar a menos de 200 metros de qualquer avenida movimentada expõe você ao mesmo risco que fumar mais de um maço de cigarros por dia. Os cemitérios estão cheios de gente que nunca botou um cigarro na boca e ainda assim morreu de câncer no pulmão.

Ah, mas fumar também dá câncer de estômago.

Viver estressado e se alimentar mal também.

Fumar causa câncer de laringe.

Falar muito e alto também - que o digam os professores, particularmente os do ensino médio que precisam passar a matéria aos gritos.

Viver dá câncer.

Nem os médicos sabem com certeza o que causa o quê. Tudo que se tem a afirmar até o momento é que á uma correlação entre o fumo e a incidência de câncer.

Há uma correlação também entre a depressão e o câncer, entre o stress e o câncer; entre a solidão e o câncer, entre o sedentarismo e o câncer.

Não estou aconselhando ninguém a fumar. Apesar de ser fumante, se pegasse um dos meus filhos com um cigarro na boca ia rodar a baiana.

O que eu critico é essa histeria coletiva, essa doença de rebanho que a sociedade tem, o excesso de neurônios-espelho que andam à solta por aí. Levantei esse assunto porque estou começando a me irritar com a rádio repetindo a cada 10 ou 15 minutos um libelo contra os malefícios do tabaco, e de como ele leva às outras drogas, que ele é a causa de toda a sorte de doenças físicas e emocionais.

A hipérbole de hoje sustenta que o tabaco causa depressão e stress. Mentira! O que causa depressão e stress nas pessoas é a doença do consumismo, mas a cura pra essa doença não interessa ao Estado e muito menos ao mercado, porque afinal, quanto mais endividados e temerosos de perder nossos empregos e posses, mais propensos nos tornamos a abrir mão das liberdades individuais e nos fundir nessa massa amorfa que vota, paga imposto, vive gradeada, isolada e empoleirada em arranha-céus, vendo o mundo pela tevê e limitando suas saídas ao trabalho e aos shopping-centers - e isso é bom pra qualquer Estado e, de quebra, pro (mal)dito mercado, já que como não andamos pelas ruas, ignoramos a existência da diversidade do comércio de calçada e concentramos nossas compras em coisas produzidas, anunciadas e vendidas maçiçamente. Somos diariamente ludibriados, desperdiçando nosso suado dinheirinho nos 100, 200% a mais que eles cobram só por serem "marcas".

É muito mais fácil seguir a onda e odiar o fumante arrogante que anda poluindo o seu ambiente por aí do que assumir a responsabilidade de ser um indivíduo.

Além disso, fumar, que já foi o fino da bossa no pós-guerra, saiu de moda. É careta. A moda é cuidar do corpo, malhar, correr, comer coisas saudáveis (seja lá o que for que a mídia da moda, sustentada pela indústria da moda disser que é o "saudável" do momento).

Será que a essa altura você ainda não desconfiou que a sociedade global está estendendo um tapete vermelho com brocados de ouro para o totalitarismo?

Não aquele totalitarismo cara-amarrada, tipo Stálin ou Coréia do Norte. É o totalitarismo gente-boa do marketing corporativo sempre atento às suas (leia-se deles) necessidades; o totalitarismo à Colgate que deixa seus dentes mais brancos e seu sorriso mais brilhante e caça você em casa, nos finais de semana oferecendo crédito ilimitado sem taxas anuais e ainda de quebra lembra que o carro que você ainda vai pagar por 5 anos não é mais o modelo do ano, que o apartamento que você ainda vai pagar por uns 20 anos não é aquela cobertura na Gávea, que seu corpo não é o modelo de perfeição e requer um extreme makeover que vai custar aí mais uns dois ou três anos de prestações.

É o mesmo marketing que aconselha amigavelmente que você se dedique de corpo e alma, 24 horas por dia à carreira, que seja proativo a invista no seu marketing pessoal e que seja um empreendedor, mesmo que seja pra ser professor. Ah, a invista em cursos, especializações e seminários, afinal o ensino é outro ramo altamente rentável do mercado - ou de onde será que veio a grana pra PUC aqui de POA dar o pontapé inicial na instalação de um aeromóvel pra ir do salão de atos até o hospital São Lucas?

Mas você não vê nada disso, certo? (Aconselho a essa altura que assista ao filme THX 1138, que em 1971 anteviu num clima apocalíptico o fim dessa estrada. É de longe a melhor coisa que o George Lucas já fez.)

Mas, voltando ao assunto, claro que não. Você está ocupado demais tentando equilibrar o orçamento, conseguir aquela promoção e trocar de carro ainda antes das férias de verão.

E se já tirou essa parte de letra, a mídia está aí pra lembrar que você também precisa investir (pesado) no corpo, na beleza, na saúde (aliás, tem até revista chique mostrando como os socialites fazem pra se manterem bonitos e saudáveis, vi outro dia no dentista) e... veja só, que coincidência: praticamente todas as megaempresas globais dos primos-ricos têm ramificações e pesados investimentos nesses setores.

Mas que coisa, né? E você só queria ter aquele bum-bum arrebitadinho, aquela barriguinha chata e se livrar daqueles pés de galinha, pra chegar nos 50 com o corpaço sarado da Madonna.

Mas é chique, né? Encontrar as amigas todas correndo no Parcão de manhã cedo com a garrafinha de água a tiracolo e o I-Pod berrando um bate-estacas - o quanto se poluiu o ambiente pra produzir aquela garrafinha pet azul tão charmosa não conta, nem quantas criancinhas lá nos confins do mundo foram escravizadas pra confeccionar o tênis Nike importado.

Vamos acordar o senso crítico, gente!

Estão nos vendendo gato por lebre e isso já vem há décadas, é planejado, programado e executado de forma consistente e sistemática.

Se continuar assim, vamos acabar como os personagens do filme, sonambulando entre o trabalho e o descanso, com câmeras instaladas pelo Estado em nossos armários de remédios pra supervisionar nossa dose diária de antidepressivos, ansiolíticos e contraceptivos.

#3


Cão que ladra não dorme.

28 de mai. de 2009

#2


Diga-me com o que rodas, e eu te direi quem és.

#1


Em terra de cego, quem tem olho fica louco.

RODÍZIO DE PRESOS


A idéia começou no espeto corrido, passou pra pizza, pro pastel, foi promovida ao trânsito e agora chega ao sistema penal com o rodízio dos presos no semi-aberto.

A "sociedade" dita honrada (aqui não contam a sonegação, a esperteza, as infrações de trânsito e os pequenos delitos da malediscência e trapaças pra subir na carreira, os arregos pra arregar um empreguinho em estatal ou um CC e por aí vai...) eriça os cabelos de revolta: Lugar de preso é na cadeia! Se não tem como prender é melhor matar! Há até quem vá além e afirme sem titubear que sente saudades dos esquadrões de morte do tempo da ditadura.

Bela sociedade a nossa: temos um executivo que não executa, um legislativo que não legisla e agora um judiciário que bota bandido de volta nas ruas. É outra roda quadrada.

Mas, gente, vamos usar o bom senso. Olhe bem a foto acima, de Daniel Marenco (a galeria completa pode ser vista aqui). As ruínas acima são o nosso presídio central, onde quase cinco mil infelizes se espremem num espaço projetado para menos de dois mil. Não dá. É pra essa coisa aí que nós gaúchos, os mais esclarecidos, os mais bam-bam-bam os mais mais do Brasil e etc e tal mandamos nossos presos. E aí reclamamos da alta taxa de reincidência.

Essa coisa é muito pior que a Bastilha ou a masmorra de onde o Bento fugiu pra tomar a frente da nossa briosa revolução.

Esse horror acima é uma pá de cal em qualquer intenção de recuperação. Não tem como passar mais de uma semana aí dentro e não ficar revoltado até a medula, querendo pular no pescoço do primeiro desavisado que passar faceiro no ar-condicionado do seu carro importado com assentos de couro legítimo.

Essa aberração vai contra a nossa Constituição. Ah, não? Então veja o que diz o parágrafo 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;(...)


Tá lá, escrito e assinado por um monte de gente, pra todo mundo ver - inclusive, recomendo sua leitura, até porque por lei ninguém neste país pode alegar em sua defesa o desconhecimento de qualquer lei, quanto mais da Constituição... Enfim, sendo a Constituição um conjunto de princípios hierarquicamente superiores a todas as leis contidas nos códigos civil, comercial, tributário, penal e por aí vai (haja jurista pra aplicar tanta lei neste país), cabe à sociedade (leia-se magistratura) sua interpretação.

Entender que o princípio geral que institui que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, se sobrepõe à regra específica da execução penal é, pra dizer o mínimo, usar do bom senso; é, de fato, aplicar a Constituição ao pé da letra, como devia sempre ser aplicada.

Resolvida a querela jurídica, chegamos ao xis da questão:

Como chegamos a esse ponto?

Po-li-ti-tica.

Assim mesmo, porque nossos políticos são umas titicas, e como governantes são titicas de elefante. Culpa deles? De jeito nenhum: eles são a cara da sociedade, nos representam em número, gênero e grau.

Ou a Yeda não é a cara do Rio Grande?

Bota a mão na consciência: é sim. Vivemos das aparências, dos preconceitos, da esperteza, de enganar os outros e compensar tudo isso com uma vaidade ufanista devidamente embalados pela pífia e esquizofrênica retórica da superioridade gaúcha. Que superioridade, cara pálida? O Nordeste tá dando de pau na gente há anos! Pra não falar em Minas Gerais: Belo Horizonte é muito mais primeiro mundo que nossa triste, imunda, feia e fedorenta Porto Alegre. (Isso pra nem falar em Curitiba que, quando eu era criança era menor, menos desenvolvida e economicamente menos importante que Pelotas).

Do aforismo do Barão de Itararé, ao que parece, optamos pela locupletação.

Se a gente não olha pra frente, a verdade acaba nos mordendo pela bunda, diz o ditado que acabei de inventar.

E está nos mordendo agora: o Executivo falhou (e vem falhando retumbantemente não de ontem, mas há décadas) em apresentar alternativas eficientes a humanas ao sistema prisional administrado pela Justiça.

É como você guardar o salário no bolso, exigir que sua mulher continue fazendo o rancho do mês e não deixar que ela trabalhe fora. Não tem como botar comida na mesa.

Sem outra alternativa, a Justiça gaúcha botou o bode na sala. E, como era de se esperar, deu a maior gritaria. Pois saiba você que há anos a magistratura vem se defrontando silenciosamente (como é de sua natureza) com esse problema. Há anos juízes e corregedores vêm alertando a sociedade para o estado precário das instituições prisionais, mas o Estado quer privatizar o sistema do mesmo jeito que os yankees fizeram décadas atrás (eles não são bárbaros? São ricos, têm tv a plasma, aquelas casas enormes todas com piscina... Não têm sistema universal de saúde, mas quem se importa?... E Las Vegas? Um luxo! O quê? Você nunca foi a Las Vegas? Nunca visitou Miami ver a Disney? Pf! Seu terceiromundisa!); por isso é que quando bota um tostão é só pra tirar fotografia e dizer que tá fazendo alguma coisa.

Pode esperar: os liberais já andam sondando a opinião pública sobre a privatização do sistema carcerário, daí a ser parido um projeto de lei é só um passo. Porque é isso que liberal faz: no legislativo, emperra qualquer iniciativa de otimização do Estado e faz campanha dizendo que o Estado é um elefante branco, aí chega no governo com propostas de mudança que só servem pra inviabilizar a máquina estatal, vira pra gente e diz: Viu? Tem que privatizar! e aí privatiza. Ou não foi isso que o Brito fez com a CRT? Um pouco mais e lá tinham ido o Banrisul e a CEEE.

Não se engane: a Justiça é atribuição do Estado, de cabo a rabo. A solução não passa pela privatização, mas por uma reformulação do sistema, concentrando na Justiça também a administração dos presídios, com a devida dotação orçamentária (que, por sinal, existe mas não é respeitada pelo Estado).

Se à magistratura cabe administrar as penas, a ela deve caber também a construção, administração e manutenção dos presídios; e não ao Executivo, esse poder circunstancial preocupado tão somente com licitações e nomeações onde e quando haja o benefício de alguma propina ou prospecção de votos.

Aqui eu paro pra coçar atrás das orelhas e do fundo do peito vem o grito:

TÁ TUDO ERRADO, GENTE! VAMOS ACORDAR ENQUANTO É TEMPO!

Uffffff!... suspiro... vamos em frente...

Mas não se preocupe: como a Justiça está relativizando a aplicação das penas, os pequenos delitos em que incorremos em nosso dia-a-dia de bons brasileiros, e os crimes de trânsito que arriscamos cometer dirigindo como dirigimos; estelionatos, corrupção e crimes de lesa-patrimônio em geral vão acabar levando um puxão de orelhas, duas Ave-Marias, um Pai Nosso e você vai estar livre pra fazer tudo de novo.

Ah, porque me ufano deste país...?!

OOOOOPS!


Ou a moça da foto é uma mestre (e bota mestre nisso) do contorcionismo, ou o "criativo" do Photoshop não entende nada de anatomia. Lembra um daqueles desenhos do Tom & Jerry, quando o Jerry corta o Tom ao meio e as pernas saem andando por aí.

É no que dá quando operador de Photoshop se arvora no mercado como ilustrador, sem a menor noção de perspectiva e anatomia.

Gente, profissionalização não é só seguir direitinho os tutoriais online. Se não quer estudar, leia alguns livros, se tem preguiça de ler, pelo menos se habitue a olhar atentamente o trabalho de artistas sérios. Não precisa nem ir aos museus: está tudo aqui, na internet.

21 de mai. de 2009

A RODA QUADRADA


- O trânsito está impossível!

Das gigantescas off-roads 4x4 (será que alguém precisa um 4x4 pra rodar no asfalto?) aos pequeninos Corsas, passando pelas lotações e coletivos a opinião é unânime: o trânsito em Porto Alegre está de enlouquecer e, como sempre, o problema são os outros. Porque são sempre os outros, né? Nunca somos nós, mesmo quando ligamos o carro de manhã cedo e nos torturamos no engarrafamento pra deixar o carro o dia inteirinho mofando num estacionamento (pago) enquanto nos enlatamos num escritório pra trabalhar... Mas, ai, andar de ônibus é capitis diminutio.

Minha rua é um bom exemplo: a imensa maioria dos carros que estacionam em ambos os lados da rua chegam pela manhã e saem ao final da tarde. O resto do dia passam ali, paradinhos, ocupando espaço. E isso que estamos a menos de 100 metros de uma das principais artérias de Porto Alegre, provida por dezenas de linhas de coletivos e lotações oriundos dos mais diversos pontos da cidade, passando com uma frequência média de 5 minutos, e a mais ou menos 400 perimetral que une a zona sul à BR 116, com suas respectivas linhas de ônibus - se não tem mais, é porque ninguém cobra, ninguém quer.

Autoridades e especialistas arrancam os cabelos tentando fazer girar essa roda quadrada.

Vai fazer o que, alargar ainda mais as vias? Praticamente o que tinha pra alargar já foi alargado. Mais que isso, e os carros estarão passando por dentro de prédios e apartamentos - não cito as casas, porque são uma espécie em extinção.

E é assim mesmo: quanto mais se abrem novas vias e se alargam as existentes; quanto mais se constroem túneis e viadutos, mais carros passam a circular. Só em 2008, a frota de veículos particulares rodando pelas ruas de Porto Alegre aumentou 30%. As perspectivas são sombrias: em menos de 10 anos se estima que o trânsito nesta cidade vai simplesmente parar.

Culpa das autoridades? Culpa da indústria automobilística? Que nada!

A culpa é nossa mesmo: é a nossa burrice, o nosso imediatismo e o nosso deslumbramento infantil com qualquer coisa que tenha um motor e quatro rodas. Tamanho é esse deslumbramento que nas ruas o ditado é diga-me com o que rodas e eu te direi quem és.

A tal ponto vai esse delírio que tem gente, e não são poucos, que economiza na saúde, na comida e até na educação dos filhos pra pagar as prestações do carrão. Duvida? Como é que aquele cara morando naquele muquifo sai todo o dia de manhã cedo naquele carrão encerado até nas rodas?

É nas ruas, entre a escravidão do emprego mal remunerado e sujeito às mudanças de humor do chefe-feitor e a mesmice do casamento xôxo e superficial tocado de barriga por conveniência que o nosso "herói" vira batman e pisa fundo pra viver sua fantasia de sucesso social.

Essa equação não isenta em absoluto as mulheres, que usam o carro como expressão de moda. A moda agora são as grandes camionetes e Deus nos acuda, porque nós mulheres - apesar de toda a gritaria das feministas - dirigimos como mulheres: nós temos um handicap genético na visão espacial: somos péssimas em avaliar distâncias quando paradas e piores ainda pra calcular tempos de intervalo entre veículos em movimento.

Não acha?

Já reparou que ao chegarem num cruzamento as mulheres tendem a parar, olhar os carros avançando e arrancar no último instante, forçando os carros que se deslocam pela via a frear e diminuir a marcha?

O caos do trânsito é feito por nós, não pelos políticos e administradores públicos.

Enquanto objetos como automóveis forem vistos como panacéias pras nossas mazelas, revestidos com uma carga emocional que mascara sua natureza meramente utilitária; o trânsito vai continuar se complicando exponencialmente.

Isso acontece porque enquanto os técnicos raciocinam em termos do espaço físico ocupado pelos veículos nas ruas da cidade; no dia-a-dia essas ruas projetadas cientificamente têm que acomodar também o espaço inviolável ocupado pelos veículos, que obedece a uma lógica absolutamente alheia aos conceitos da engenharia de tráfego, a lógica emocional.

Não concorda?

Pois já está cientificamente provado, por exemplo, que pessoas ao volante de carros de luxo se mostram menos propensas a dar preferência e mesmo respeitar as leis de trânsito.

Já viu algum Mercedes rodando pacientemente atrás de uma fusqueta ladeira acima? Eu não. O que vejo sem excessões é a Mercedes acelerar e forçar a ultrapassagem de qualquer jeito.

Mas os carros de passeio mais acessíveis não estão livres dessa maldição, afinal o "valor" do carro é sempre o resultado do investimento financeiro potencializado pelo investimento emocional - o quanto ansiamos por aquele objeto, o quão criteriosamente o escolhemos, os sacrifícios que fizemos para adquirí-lo, as frustrações e ansiedades que sublimammos, as ilusões de sucesso e ascenção social que fantasiamos e por aí vai...

Houve um tempo em que eu sentia o carro do mesmo jeito que a maioria das pessoas. Tive meu breaking point uma noite voltando da rodoviária depois de dar uma carona à minha prima. Na subida da Garibaldi um taxista me fechou de um jeito que eu quase subi no meio-fio (e olha que é uma subida e tanto!). O sangue ferveu. Meti uma primeira e arranquei fritando os pneus. Emparelhei com o dito na Independência, na altura da esquina da Santo Antônio e devolvi o obséquio. Aí foi a vez dele ficar louco da vida e seguimos num zigue-zague kamikaze em alta velocidade pela Mostardeiro - por sorte eram 11 e meia de uma noite de inverno e o trãnsito era quase zero. Pra dar uma idéia da velocidade que seguíamos, ao chegar na lomba da Mostardeiro (aquela do friozinho na barriga) meu carro voou literalmente, indo aterrisar quase na entrada do estacionamento do parcão, espalhando fagulhas pelo ar quando a descarga tocou o chão. Quando freamos na sinaleira da Goethe, meu coração devia estar a mais de 240 por minuto. Nos olhamos como gladiadores inimigos de morte e aí eu sorri e acenei, arrancando quando o sinal virou para o verde. Segui pela Mostardeiro e ele foi na direção da Dr. Timóteo.

Foi naquele aceno que eu soube que isso nunca mais aconteceria. Daquele dia em diante, sempre que alguém força uma entrada à minha frente, tiro o pé do acelerador e deixo: não nasci pra ser a Nêmesis de ninguém.

Mas aquele episódio me fez parar e pensar.

Por quê?

Sou em geral uma pessoa razoavelmente calma e racional, pelo menos para nós latinos. Já então tinha por hábito respeitar as passagens de pedestres, reduzir em frente às escolas e tudo o mais que um bom motorista deve fazer. Me considerava uma boa motorista e, igualmente, uma boa cidadã votante, pagadora de impostos e tudo o mais. De onde então veio aquela súbita explosão da mais absoluta irracionalidade, aquele comportamento bestial, aquele rompante de pura psicose?

Na época, eu passava por uma fase difícil com problemas financeiros e familiares, receita certa pra uma explosão de agressividade. Ainda assim, se o sujeito tivesse pisado no meu pé na rua, eu não teria reagido com um chute; ele pediria desculpas, eu aceitaria e nos despediríamos desejando uma boa noite. A explosão veio do carro - na época um flamejante Passat preto 1.8 com cara de mau e som de 100W da Bosch, o "batmóvel" que eu dirigia com orgulho arrancando olhares invejosos de outros motoristas e elogios e propostas de compra em todo o posto onde parava pra abastecer. Aquela atenção e, porque não dizer respeito, servia como amortecedor pra boa parte da minha angústia existencial, o que ampliava consideravelmente o "espaço inviolável" que meu carro devia ocupar nas ruas.

Quando rebaixados a meros pedestres, temos um espaço de mais ou menos 50cm ao nosso redor que consideramos o "nosso" espaço. Só nossos amigos, amores e conhecidos têm permissão pra violar esse espaço.

Usamos o mesmo princípio para determinar o "espaço inviolável" de nossos veículos, mas aplicando uma fórmula muito mais complexa, que resulta da proporção entre o investimento financeiro e emocional que fizemos no veículo à razão exponencial de nosso estado emocional do momento.

Naquela noite especificamente, meu "batmóvel" tinha um raio de mais ou menos 10 ou 20 metros. Era minha "conquista", o "carrão" tão ansiado que eu dirigia com orgulho por aí com o som a mil. Além disso, era uma noite fria, em que eu me vira forçada a sair no meio de um bate-boca doméstico porque já tinha me comprometido a levar minha prima à rodoviária. Desta forma, cada centímetro avançado por aquele taxista dentro do meu espaço inviolável foi sentido como uma agressão física. O empurrão para o meio-fio a menos de 40cm de distãncia do meu pára-choques foi sentido como uma violenta (e gratuita) bofetada na cara.

E eu reagi proporcional e irracionalmente.

O mesmo se aplica quase que invariavelmente a qualquer motorista à solta pelas ruas, e não importa muito se o carro é do último modelo ou uma fubeca caindo aos pedaços: é o investimento emocional, a necessidade de afirmação social somados às nossas angústias e frustrações cotidianas que determinam desde a opção de usarmos o carro como veículo principal de transporte mesmo para deixá-lo mofando o dia inteiro em um estacionamento pago até o raio de "espaço inviolável" que atribuímos aos nossos veículos e que determina nossa maior ou menor propensão a dirigirmos como psicopatas.

É o fatídico "elemento humano" e é por isso que o trânsito nas cidades é uma roda quadrada. O único caminho para um trânsito racional e seguro passa por um amadurecimento emocional da sociedade e uma reformulação de valores que estamos a anos-luz de atingir.

Portanto, meu amigo, se prepare porque a coisa só vai seguir de mal a pior.

4 de mai. de 2009

ONDE FICA ALBERTA?


No Canadá, diríamos. Mais: no interior do Canadá, cercada de terra pelos quatro lados... Hummmm... se não tem mar, em qual lago teria sido tirada a foto da campanha?

Lá:


Lá, do outro lado do Atlântico, mais precisamente na costa de Northumberland no Reino Unido, em Bamburgh, nas proximidades de Newcastle.

Foi o que descobriu um pescador de Alberta decidido a identificar aquela costa estranha ao visual das margens dos lagos e rios a que estava acostumado.

E foi um Deus nos acuda.

Sob uma saraivada de acusações de fraude e má-fé, o bureau se defendeu explicando que a imagem usada para estampar várias peças promocionais da campanha da nova logomarca de Alberta é tão somente parte de uma narrativa maior que exalta em vídeo as belezas e virtudes de Alberta e seus cidadãos, no contexto específico de sua "abertura" a pessoas de todas as partes do mundo.

Não sei quanto a você, mas se eu fosse cearense e o governo do Estado estampasse fotos das Ilhas Seichelles em peças promocionais pra louvar a simpatia dos cearenses e, de pecha, ainda pagasse 25 milhões de dólares por isso, no mínimo eu rodava a baiana.

Segue o vídeo, pra botar a foto no "contexto":